Habilidosa raiva, embrulha o estômago como ninguém, generosa, presenteia o impulso, primo irmão do arrependimento, irmão da culpa.
Intensa raiva, vem, mas chega com força, derrubaria uma árvore centenária, mas a mim cerra apenas os dentes, para me ensinar a sorrir enquanto me abraça com malícia pelas costas e me aperta o peito.
Vem comigo escorada feito ferido de guerra e me apressa o passo para levá-la a algum lugar, alguém que a cure, ou alimente. Ou quem sabe a assuste com uma raiva maior.
Insone raiva, perturba meu sono quando mais preciso dele, sopra em meus ouvidos palavras que queria esquecer, cenas que tento manter no passado, e quando vence, me fazendo acender a luz, me convida para um cigarro, fingindo a cumplicidade de quem também estava sem sono.
Anfetaminas, curvai-vos, nem a mais forte das doses atingiria os patamares de loucura da minha raiva. Nem seus efeitos colaterais: taquicardia, hipertensão, tremedeira, bruxismo, falta de apetite, náusea ou suadeira, nada me travaria tanto.
Psicótica raiva, me faz ver o invisível, escutar o que ninguém disse e o ranger de uma escada vazia. Desconfigura meu bom senso e minha imagem no espelho.
Vaidosa, cheia de atributos, não gosta quando a confundem. Ela não tem nada a ver com a violência ou qualquer outra bestialidade, e às vezes pode até ser positiva, pelo menos é do que tenta convencer quando se apossa de pensamentos, ações, e assina textos.
Mas sei o que a desafia e lhe ameaça a existência. O que a faz renunciar a todo sentido e a mais vaga lembrança de onde veio. Apátrida raiva, o humor te desnorteia, eu sei. Só ele, só ele pode ser maior nos momentos em que é inflada às custas de respiração acelerada.
Basta um vestígio de humor, basta sua sombra, sua sobra, sua obra, e a raiva volta para dentro de sua caixinha, desajeitada e descabida, como uma árvore de natal na sala no fim do mês de março.
Efêmera raiva, outro dia te vi indo embora cheia de vergonha numa mesa de café da manhã. Toda prosa, toda cheia de si, com poder de desviar olhares e amargar o café que já era amargo, vi quando um sorriso a lançou pelos ares em espiral, tal qual uma bexiga recém furada.
Eu sei que você volta, raiva, e não é sempre que consigo te controlar, mas o humor, primo irmão do amor, amante da alegria e pai das cores, está sempre aqui à sua espreita. Se liga...
*Assim como qualquer outro sentimento a raiva tem seu lado belo, instigante, confuso e admirável ;)
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